Graziela Di Giorgi explica como o medo de errar bloqueia a inovação e criatividade

Graziela Di Giorgi explica como o medo de errar bloqueia a inovação e criatividade
15/07/2020 Ana Grácio

Graziela Di Giorgi explica como o medo de errar bloqueia a inovação e criatividadeVivemos tempos de incerteza e de grandes mudanças, um momento em que precisamos superar o medo de errar, a visão de curto prazo, o egoísmo, premissas que podem bloquear ou estimular a inovação nas empresas. Razões que justificam uma conversa com Graziela Di Giorgi para nos ajudar a perceber melhor estas questões.

A Graziela é Engenheira de Produção (UFRJ) com pós-graduação em Marketing (Coppead) e Inovação (EISE). Conta com 20 anos de experiência profissional, tendo passado por empresas de Telecomunicações na Espanha e no Brasil, em consultorias da Holanda, Espanha e Brasil. Há 12 anos, que é responsável por iniciar e consolidar as atividades da consultoria espanhola, SCOPEN, no Brasil e, recentemente, pela sua expansão para a América Latina e a Europa, com metodologias inovadoras e colaborativas.

À sua experiência profissional soma-se a paixão pelo comportamento humano e os seus “preconceitos” de decisão, o que a levou a publicar uma tese sobre o potencial de inovação nas empresas. Esta tese está baseada numa investigação cujas conclusões estão refletidas no seu livro, “O Efeito Iguana”, um conceito que deu o mote para a entrevista.

  1. Criou o conceito “Efeito Iguana” para explicar o comportamento de algumas empresas. Como chegou a este conceito e em que consiste?

O Efeito Iguana consiste numa série de bloqueios à inovação que existe em diversas culturas corporativas. Através das entrevistas que realizei, pude constatar nos relatos um comportamento análogo ao do réptil que dá nome ao efeito.

Iguana são répteis e, como todo réptil, agem por instinto para sobreviver. São irracionais e não possuem sentimentos, porque não têm o sistema límbico, responsável pela emoção, pela empatia. O raciocínio e a emoção dependem de duas camadas mais sofisticadas, presentes no cérebro humano.

Assim, só restam às iguanas o cérebro reptiliano aquele mais primitivo, responsável pelas ações mais instintivas. Incapazes de se colocarem no lugar dos outros, são seres autocentrados em sua própria sobrevivência e que instintivamente se comportam de forma imediatista. A analogia emprestada do reino animal  ilustra o comportamento de muitas empresas que, focadas a curto prazo, são previsíveis e egoístas. Cegas de como agem, acabam seguindo os seus velhos hábitos de forma repetitiva. Não é à toa que algumas empresas apenas sobrevivem e morrem, enquanto outras surpreendem e crescem.

  1. Da análise que tem feito ao longo dos anos, que o mais estimula e o que mais bloqueia a inovação nas empresas?

São várias as barreiras à inovação, mas a principal delas é a nossa aversão à perda. Como já provado por economistas comportamentais, odiamos perder duas vezes mais do que adoramos ganhar. Por isso, o medo do erro acaba por impedir a aposta por ideias mais disruptivas e ousadas e termina por reforçar a tendência a fazer as coisas da mesma maneira que se faz sempre, para evitar qualquer risco. Culturas assim acabam por celebrar a previsibilidade, ao invés da criatividade, e acabam por focar em sobreviver ao invés de surpreender.

O que estimula é justamente o efeito contrário da perda, mas levando-a em conta. Um dos maiores estímulos que vejo é começar com pouco. E a forma de o fazer pode ser alinhando as expectativas de possíveis perdas que possam ocorrer. Recomendo sempre o uso do 70%-20%-10%, método usado pela Coca-Cola para estimular o seu ciclo de inovação. Neste método, 10% do investimento (leia-se o seu tempo) está dedicado a ideias que têm grandes hipóteses de fracasso. O interessante por trás é que o erro provoca aprendizagens, que capacitam a equipa para novas experiências. É o que chamo de “verba-do-erro”, e que faz parte da cultura Test & Learn.

  1. A COVID-19 veio alterar tendências e padrões de organização que estavam enraizados há muitos anos. Mudanças que algumas empresas afirmam que aumentaram a produtividade e criatividade. De que forma avalia este impacto? Podemos estar perante uma mudança estrutural da organização da indústria do marketing?

Estamos vivendo várias ruturas que envolvem mudanças estruturais nas organizações. A transformação digital, a rutura física, a necessidade da presença mental (além da física). Estamos tendo ganhos, mas também algumas perdas (problemas psicológicos, cansaço mental, falta da interação física). Certamente ganhamos produtividade com as ferramentas disponíveis e que permitem que essas mudanças tenham acontecido de uma forma tão rápida. E, perante tal, a mudança estrutural que veremos deverá ser uma combinação do que tínhamos (evitando as novas perdas) com as novas dinâmicas de trabalho (preservando os ganhos). Entre o extremo digital e o extremo físico deverá haver um espaço para um caminho a meio, um modelo híbrido que permita preservar os ganhos e diluir as perdas.

  1. Partindo da distinção que faz entre Marcas Iguanas (sobrevivem e morrem) e Marcas Humanas (surpreendem e crescem), será que com a COVID vemos mais Marcas Humanas e conseguirão estas manter-se com esse perfil ou voltam para o modo Iguana?

Em momentos de crise ou grande incerteza, como o que estamos a viver, normalmente as empresas focam em apenas um, dos dois caminhos que podem seguir. Para equilibrar os resultados do final do ano, as empresas podem reduzir custos (manutenção) ou investir em gerar mais valor para as pessoas (inovação). As empresas guiadas pelo medo, normalmente encaram a manutenção como único caminho (visão a curto prazo), ao invés de aproveitarem a oportunidade para investir em algo novo agora, para ter resultados no futuro (visão a longo prazo). As empresas que conseguirem equilibrar essas duas visões (curto e longo prazos) são as que sairão melhor desta situação atual.

  1. Considera que os “vieses” (preconceitos) que dificultam o processo de inovação, identificados pela sua pesquisa, podem sofrer alterações num futuro próximo?

Os “vieses” são reforçados ou diluídos pelo contexto ao redor. Por exemplo, num contexto familiar que penaliza o erro, a aversão a incerteza será maior para uma criança que vive sob essa pressão de não errar. Num contexto empresarial, a procura por resultados rápidos acabam por aumentar o volume do imediatismo, que tínhamos até então. Assim, os nossos comportamentos estão diretamente relacionados ao contexto / cultura na qual vivemos. Se o ele muda, certos comportamentos são reforçados ou diluídos. Por exemplo, o contexto de hoje já não é o mesmo de há cinco meses. Perante um contexto de aumento de incerteza, o “curtoprazismo” torna-se protagonista.

Graziela Di Giorgi participou recentemente num webinar promovido pela APAN, “A Álgebra da Incerteza” no qual partilhou mais algum conhecimento e reflexões sobre como funciona o nosso modelo mental e, acima de tudo, algumas ferramentas para melhor lidarmos com a mudança e com a incerteza. A palestra está disponível AQUI.

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