Atenção e publicidade: o enigma do cone do cão

Atenção e publicidade: o enigma do cone do cão
16/12/2021 APAN

vvvvAtenção e publicidade: o enigma do cone do cãoO que acontece quando a natureza da nossa atenção se altera? O que é que isso significa para a publicidade, a cultura e a sociedade? Orlando Wood, Diretor de Inovação do Grupo System1, questiona o que o estudo da atenção nos diz sobre a publicidade.

Na era tecnológica, decididamente a nossa atenção ficou mais reduzida. Criámos um mundo em que passamos, em média, três horas por dia concentrados nos nossos dispositivos. Então, o que acontece exatamente quando a nossa atenção diminui?

Woord encontrou a resposta, uma manhã, quando foi dar um passeio. Uma mulher passou por si na rua com o seu cão. De repente, o cão começou a ladrar na sua direção, esticando a trela; a dona puxou-o para longe. “Desculpe”, disse ela, “ele normalmente não é assim – é do cone”.

“É do cone”, pensou. O cão estava a usar um desses cones veterinários. Quando um cão usa um cone, pode tornar-se receoso e agressivo, em grande parte porque lhe é negada a sua atenção periférica, de espetro mais largo. Isso é o que pode acontecer quando a atenção é reduzida. E fiquei a pensar, não foi precisamente isso o que aconteceu ao nosso mundo?

No seu novo livro, “Look Out”, Orlando Wood recorre ao trabalho do psiquiatra Iain McGilchrist para descrever os diferentes tipos de atenção. O hemisfério direito do cérebro apresenta-nos o mundo e prende-nos a ele através de um estado de alerta e da atenção sustentada; é vigilante, aberto ao que está lá fora. Qualquer coisa de interesse ele passa para o hemisfério esquerdo, que examina o objeto de interesse mais de perto, utilizando a atenção focalizada. Assim, vemos sempre ‘a floresta’ com o nosso hemisfério direito, usando aquilo a que poderíamos chamar ‘atenção de espetro largo’, antes de vermos ‘as árvores’ com o nosso hemisfério esquerdo (‘atenção de espetro estreito’).

Há dois outros períodos da história em que a atenção se estreitou e isso pode ser visto quando se examina a cultura e as artes visuais dessas épocas. Se olharmos para os retratos de Dürer antes da Reforma e os artistas avant-garde nos anos anteriores à Grande Guerra, podemos ver o aparecimento do “olhar fixo”, que sinaliza de imediato um sentimento de desprendimento, uma perda de vitalidade e uma atitude adversa. Vemos hoje novamente este olhar fixo na arte, na cultura e, sim, na publicidade. Uma rigidez que se instala na cultura e que pode ser vista no rosto.

Quando o nosso hemisfério esquerdo começa a dominar, o mesmo se aplica a algumas das suas características mais antissociais. O hemisfério esquerdo é mais sensível à dopamina – a hormona associada à procura e à recompensa que está tão incorporada no nosso mundo digital. Mas a dopamina também nos torna vivos para os prazeres da agressão. Sem o hemisfério direito para nos abrir ao mundo, começamos a sentir uma sensação de desapego. Voltamo-nos para dentro e viramo-nos uns contra os outros.

Então, o que é que se pode fazer? Bem, cada um de nós pode tomar medidas para restabelecer a ligação com o mundo e as pessoas à nossa volta, mas este é também um papel importante para a publicidade desempenhar. Porque a atenção de espectro mais ampla o mais estreito tem implicações na publicidade – para o estilo criativo e para a eficácia da publicidade.

Há características da publicidade que tanto prendem a atenção como suscitam uma resposta emocional: a vida, uma cena que se desenrola no tempo vivido e com um claro sentido do lugar. Estas características apelam à nossa atenção de espetro largo, ao nosso cérebro direito. A publicidade que utiliza características associadas à atenção de espetro estreito do hemisfério esquerdo (incluindo o olhar fixo) tende a afastar as pessoas.

As características associadas à atenção de espetro amplo são muito mais suscetíveis de alcançar efeitos comerciais duradouros: quota de mercado, vendas, lucro, fama, e confiança na marca. A publicidade “do lado esquerdo do cérebro” tem uma probabilidade marginalmente maior de gerar efeitos diretos de curta duração.

Assim, a publicidade funciona de uma forma que espelha a maneira como o cérebro presta atenção ao mundo – a atenção de espetro largo (amplo alcance, publicidade de construção de marca que cria interesse) é mais importante e vem em primeiro lugar, seguida pela atenção de espetro estreito (publicidade de desempenho estritamente direcionado, que assume a existência de um interesse – empurrando aqueles que estão na eminência da compra para a aquisição).

De que tipo de publicidade precisamos no mundo tecnologicamente conturbado de hoje? À medida que as empresas passam para o online perdem a sua disponibilidade física. Quando as marcas perdem a sua disponibilidade física, perdem a sua disponibilidade mental. Assim, a publicidade de construção de marcas torna-se mais importante, e não menos importante.

Em “Look Out” Orlando Wood descreve o que isso acarreta: publicidade com valorização da singularidade humana, movimento e ligação, com carácter, acontecimento e lugar, com humor, música e colorido com calor. O tipo de publicidade que liga; o tipo de publicidade que muitos quiseram fazer em primeiro lugar quando entraram na indústria – publicidade que entretém.

E num mundo cheio de crescente ansiedade, medo e distanciamento, à alguma coisa mais maravilhosa do que isso?

Para criar publicidade eficaz e memorável que constrói marcas, a indústria tem de captar a atenção “de amplo alcance” das audiências; para o conseguir, tem de mudar a sua atenção e olhar para fora. Este é o alerta em “Look Out”, livro onde fornece provas, orientação e inspiração para ajudar a fazer crescer as marcas num mundo tecnologicamente conturbado.

Para Wood,  “o olhar que força está a substituir o olhar que acaricia“. De acordo com ele, o olhar fixo sugere uma rigidez que está a tomar conta da cultura; é sugestivo tanto de medo como uma postura adversa. Ele mostra como a expressividade emocional se está a perder, como o movimento deu lugar à rigidez, como reina o direto sobre o implícito, e o ritmo sobre a música. Mostra também como a publicidade já não é tão engraçada como antes, o que reflete uma perda mais ampla de humor na cultura. O humor goza com a rigidez – mantém-na sob controlo – e quando ele desaparece, explica, devemos preocupar-nos.

Diz o perito em eficácia e consultor de marketing Peter Field: “Se o último livro de Orlando, “Lemon”, foi o alerta para aqueles que defendem a eficácia, então “Look Out” é o livro para reconstruir a eficácia que a publicidade perdeu ao longo da última década. Este livro é muito valioso para todos os que trabalham com publicidade, quer na criatividade, quer no lado mais comercial. Este livro ilustra vividamente porque é que uma mente virada para fora é vital para contrabalançar as perspetivas estreitas da publicidade moderna que a privaram da sua vitalidade“.

Ver os artigos originais aqui e aqui.

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