No âmbito do lançamento da Coletânea Jurídica da Publicidade, em parceria com a APAP – Associação Portuguesa das Agências de Publicidade, Comunicação e Marketing, a APAN entrevistou o advogado Filipe Mayer, Sócio e Coordenador do Departamento de TMT da CCA ONTIER, que coordenou este projeto.
A coletânea “Publicidade” reúne a legislação dispersa sobre a atividade publicitária, assinalando, ao mesmo tempo, os 25 anos do Código da Publicidade.
APAN (AP): Qual a análise que faz, do ponto de vista jurídico, ao mercado publicitário nacional? Estão as agências e anunciantes a cumprir as regras?
Advogado Filipe Mayer (AFM): Em geral, o comportamento das agências, anunciantes, meios e demais intervenientes no processo publicitário é bastante bom. Podemos dizer que a regulamentação (e autorregulamentação) aplicável à comunicação comercial é, em geral, cumprida. Este bom comportamento deve-se não só ao conhecimento de todos os operadores das principais regras aplicáveis, mas também a um sistema de autorregulação eficiente.
AP:Quais as principais questões que lhe são colocadas neste âmbito, quer por agências, quer por anunciantes? Quais os principais problemas ao nível da legislação com os quais estas entidades se colocam?
AFM: Há sempre temas “clássicos” nesta área, como a utilização de menores ou de símbolos nacionais (muito comuns em épocas de grandes competições internacionais), a publicidade comparativa… Há também determinados produtos, como as bebidas alcoólicas, os medicamentos ou o tabaco, que têm um regime muito mais restritivo no que respeita à possibilidade de serem publicitados e, por isso, colocam sempre desafios adicionais. Mais recentemente, o jogo, uma atividade cuja publicidade era, até há muito pouco tempo interdita, foi recentemente liberalizada mas, ainda assim, existem limites a respeitar. Têm surgido muitas dúvidas de interpretação das novas regras aplicáveis à publicidade ao jogo.
AP:A CCA ONTIER elaborou, em parceria com a APAP, a Coletânea Jurídica da Publicidade. Como e porque surgiu esta ideia?
AFM: A ideia surgiu de uma forma muito “prática”, diria. Enquanto especialistas na área do direito da publicidade, os advogados da CCA ONTIER lidam diariamente com a legislação publicitária para aconselhamento dos seus clientes, os quais se dispersam entre anunciantes, agências e meios de comunicação social. Apesar do atual Código da Publicidade ser um diploma bastante condensado (pouco mais de quarenta artigos), a verdade é que tem mais de 25 anos, o que faz com que a grande maioria das regras aplicáveis esteja dispersa por perto de outros 100 diplomas. Ora, a nossa experiência enquanto utilizadores de toda essa legislação e regulamentação obrigou-nos a coligir, ainda que na forma de “sebenta”, a coletânea que depois, em parceria com a APAP, decidimos colocar sobre a forma de livro. Pode-se dizer que o trabalho há muito estava feito. Ao mesmo tempo, ainda no final de 2015, houve uma iniciativa do então Governo, de revisão do Código da Publicidade, tendo a CCA ONTIER contribuído, ativa a título individual e em representação de alguns clientes, com algumas propostas de alteração ao projeto legislativo (que nunca veio a ser aprovada), altura em que aproveitámos para atualizar toda a legislação externa ao Código da Publicidade. Concluímos, depois desse intenso trabalho, que tínhamos um produto acabado em mãos, que muito útil poderia ser para os nossos clientes e demais operadores desta área. O passo seguinte (e natural) foi contactar a APAP para ser parceira na divulgação desta iniciativa, desafio que foi imediatamente aceite, uma vez que uma das preocupações das agências suas associadas é, precisamente, a evolução da legislação aplicável à comunicação comercial.
AP:Acha que é imperativo atualizar a legislação neste campo? Se sim, porquê?
AFM: É importante desde logo referir que a lei em vigor, nomeadamente o Código da Publicidade, é uma boa lei. É um diploma curto, com alguns princípios básicos que todos os intervenientes devem respeitar, o que deixa uma grande margem de atuação aos operadores. E isso é muito positivo para um mercado que, como nenhum, se quer criativo. Mas também é verdade que este mesmo Código data de 1990 e que, apesar de ter vindo a ser atualizado, é inevitável que esteja já muito desatualizado. Por outro lado, como também já referi – e que esteve por trás da decisão de termos feito a Compilação de Direito da Publicidade – a grande maioria das normas aplicáveis a este setor está dispersa por variadíssimos diplomas, o que não facilita à compreensão do quadro normativo.
Finalmente é de reconhecer que o regime legal já não se encontra adaptado a novas formas de publicidade, como a que é veiculada através das redes sociais ou em blogues e páginas pessoais, realidades que obrigam por si só a uma atualização legislativa.
AP:Com a dinâmica tecnológica, que grandes mudanças estão as agências de publicidade a viver e que transformações pensa que podem vir a decorrer já em 2017? Como deverão as agências adaptar-se ao novo paradigma comunicacional e de negócio?
AFM: Penso que as transformações são tantas que é impossível falar em tendências para 2017. As evoluções surgem à semana, ao dia… Mas parece-me claro que a evolução tecnológica está a trazer como inevitabilidade o fim dos dias dos meios tradicionais, ou pelo menos, como os conhecemos. A evolução tecnológica trouxe-nos não só novos meios de comunicação como alterou os meios tradicionais. As pessoas hoje em dia já não vêm televisão como viam antes. A possibilidade de ver televisão em tempo diferido e outros conteúdos extra programação colocam desafios gigantescos aos anunciantes e aos meios (e, consequentemente, às agências), pois, em rigor, o tempo reservado à publicidade pode ser evitado pelos consumidores. Desafios semelhantes atravessa a imprensa, que vê no digital uma séria ameaça à circulação em papel, com consequências evidentes (e dramáticas) para o mercado publicitário desse setor. Ou seja, a revolução tecnológica afetou, ou melhor, alterou profundamente o mercado publicitário. Mas isso não é uma má notícia, pelo contrário. A revolução tecnológica abre portas para novos meios de comunicação e até, novas experiências, como a publicidade olfativa ou a realidade virtual. Não existirão limites à criatividade e isso não pode deixar de ser uma ótima notícia para as agências.
Do ponto de vista do público, as alterações são também evidentes. O consumidor de hoje tem ao seu dispor uma gigantesca quantidade de informação. Sabe muito bem o que quer, como e onde quer. Também o tempo que passamos no nosso local de trabalho, em detrimento da nossa casa e, até na rua, são suscetíveis de alterar os comportamentos dos consumidores.
Em resumo, penso que será importante para as agências pensarem as campanhas fora dos limites impostos pelos meios “tradicionais” (televisão, rádio, imprensa e outdoor) e estarem muito atentas a um modelo de consumidor muito mais determinado e menos influenciável.