Foi com grande indignação que a Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN) foi confrontada com a decisão da Câmara Municipal de Lisboa (CML) em adjudicar a publicidade no mobiliário urbano do Concelho a uma única empresa. Este contrato, válido por 15 anos, abrange dois mil Abrigos e 900 Mupis (10% digitais) e ainda 125 grandes formatos digitais (8×3).
O resultado deste modelo escolhido pela CML foi a seleção da JCDecaux, enquanto operador único em Lisboa, podendo praticar os preços que quiser, dado não existir alternativa. Isto significa que, muito provavelmente, os anunciantes vão enfrentar uma redução do número de posições para a publicidade exterior e um aumento de preços. Esses aumentos serão repercutidos sobre os consumidores, que acabam por também ser prejudicados por esta abordagem da CML.
Em vários momentos deste processo, a APAN teve oportunidade de exprimir à CML as suas preocupações relativamente ao modelo de concurso, mostrando-se sempre disponível para debater uma solução equilibrada tendo, inclusivamente, proposto caminhos alternativos.
Representando o lado da procura no mercado da publicidade, os anunciantes têm a natural preocupação com o preço e qualidade dos serviços que contratam. Essa preocupação será minorada no caso de, no lado da oferta, existirem alternativas que impeçam ou mitiguem preços excessivos, falta de qualidade ou inflexibilidade comercial. Mas será majorada no caso de os anunciantes se virem confrontados com um monopólio, pelas mesmas razões que tornam qualquer monopólio em qualquer setor da economia fonte de ineficiências em detrimento da sociedade e, em particular, do consumidor.
A nossa posição tem sido sempre a da defesa de um mercado concorrencial pelo que lamentamos que a CML tenha optado por ignorar os anunciantes e avançado com a adjudicação de toda a publicidade em mobiliário urbano a um único concorrente, conduzindo à criação de um monopólio, com a agravante de ser um monopólio criado por poderes públicos. Adicionalmente preocupa-nos o impacto e repercussões que este modelo adotado em Lisboa possa vir a ter noutros Municípios espalhados pelo país.
Além de discordar da forma como todo o processo decorreu, a APAN também se opõe à mais recente decisão da Câmara de Lisboa em invocar o argumento de urgência inadiável para travar as providências cautelares interpostas para suspender a adjudicação, quando esteve cerca de dois anos para tomar uma decisão sobre este concurso.
Também não deixamos de assinalar que este concurso foi marcado por um episódio bizarro: a reversão, pela CML, da decisão que a própria tinha tomado em relação aos vencedores. Primeiro decidiu favoravelmente em relação a um concorrente, mas depois voltou atrás nesta decisão e atribuiu a vitória a outro.
A APAN considera que a CML e a JCDecaux estarão a cometer uma grave ilegalidade se puserem em prática a concessão atribuída no concurso antes de a Autoridade da Concorrência (AdC) se pronunciar sobre a adjudicação. Isto porque consideramos que a adjudicação configura uma operação de concentração sujeita a notificação prévia à AdC. Este tipo de concentrações não pode ser executado antes de obter uma decisão favorável por parte da AdC.
Se – conforme esperamos – a AdC determinar que a JCDecaux está obrigada a notificar a operação, a APAN tenciona constituir-se como terceira interessada no processo e levar ao conhecimento da AdC, de forma tecnicamente detalhada, as preocupações dos anunciantes, no intuito de auxiliar a AdC a somente autorizar a operação se estiver devidamente salvaguardada a concorrência no mercado da publicidade exterior em Lisboa. Se não for o caso, a APAN bater-se-á para que a AdC proíba a operação e o concurso tenha, por isso, que ser dado sem efeito.
A AdC já conhece bem este mercado porque o analisou a propósito de uma outra tentativa de criar um monopólio em Lisboa, quando a JCDecaux tentou comprar a Cemusa. Na altura a AdC foi muito sensível às preocupações expressas por um vasto conjunto de “players” e preparava-se para proibir a operação, quando a JCDecaux anunciou que desistia dela. Estamos confiantes em que a AdC mostre desta vez a mesma capacidade, a mesma independência e a mesma determinação que teve em 2015.
Manuela Botelho, secretária-geral da APAN