O impacto conseguido quando cada marca faz a sua parte

O impacto conseguido quando cada marca faz a sua parte
30/09/2021 APAN

O impacto conseguido quando cada marca faz a sua parteVicki Maguire, presidente da categoria Brand Experience & Activation do festival Cannes Lions 2021, defende que o objetivo do trabalho não deve ser receber prémios, mas sim mudar vidas – mesmo que seja a de apenas uma ou duas pessoas. Se esta ideia já não era nova tornou-se ainda mais relevante depois de um ano e meio em que o mundo sofreu em conjunto e muita gente clamou por ajuda. Em resposta, as marcas fizeram os possíveis e impossíveis, ajustaram as suas linhas de produção e fornecimento e fizeram doações de fundos e equipamentos. Embora para algumas empresas impactar positivamente a vida das pessoas seja uma prioridade há muito tempo, a sua importância aumentou bastante pela circunstância da pandemia, e pela mudança subsequente na expetativa das pessoas de que as marcas devem fazer mais do que apenas falar.

Isso for particularmente evidente nas campanhas que participaram na categoria de Diversidade e Inclusão. Maguire dá o exemplo dos vencedores do Grand Prix de 2020/2021, mais de metade das categorias premiadas (15 de 28) foram destacadas porque de forma explicita quiseram ter impacto na criação de experiências mais  justas e inclusivas.

Resolver problemas específicos, não questões estruturais

As marcas vencedoras tinham algo em comum: resolveram problemas especificamente ligados à sua marca, produto ou experiência, em vez de adotar uma postura ou elogiar uma questão mais abrangentes, como a igualdade de géneros ou descriminação racial.

Nas palavras de Tom Richards, presidente do júri de Saúde e Bem-estar, “trata-se daquela mudança de comportamento que faz as pessoas fazerem algo ou realmente importarem-se. Às vezes, as melhores ideias não são sobre arte, mas sobre os problemas a ser resolvidos.”

Vicki Maguire fala da campanha, vencedora de três prémios, de LadBible, “The Illegal Blood Bank”, criada por Elvis London, como o exemplo perfeito: em vez de publicar um statement que defendesse a igualdade dos membros da comunidade LGBTQI+, estabeleceram uma parceria com uma organização sem fins lucrativos, Freedom to Donate, para protestar contra uma lei discriminatória do governo inglês sobre dádiva de sangue, que impossibilita os homens homossexuais e bissexuais sexualmente ativos de doarem sangue.

Recorreram ao online para lançar uma campanha de doação de sangue específica para este público, e pediu a todos aqueles que não podiam comparecer na campanha a escolherem “prometer um litro”, no site Unilad.com, para mostrar a quantidade de sangue que seria doado caso a lei fosse alterada. Também iniciaram uma petição na plataforma Change.org para que os requisitos tivessem em conta o comportamento sexual individual de cada pessoa e não a sua orientação sexual. Em junho deste ano, o Serviço Nacional de Saúde britânico atualizou a legislação e abriu a possibilidade da dádiva de sangue a todas as pessoas que tinham o mesmo parceiro sexual, pelo menos, nos três meses anteriores.

Neste caso, o LadBible encontrou um problema específico que seu público enfrenta e que era relevante para sua plataforma e posicionamento.

Outro exemplo foi uma campanha da Starbucks, a marca que escreve o nome dos clientes nos copos de café, para os chamar e entregar quando estão prontos. Perante o problema que as pessoas transexuais enfrentam, ao não serem chamadas pelos seus nomes escolhidos e sim pelos nomes de nascimento (com quais já não se identificam), a Starbucks percebeu que o simples gesto de apontar e chamar pelo nome escolhido destas pessoas, estava a fazer algo muito importante nas suas vidas. Assim, com a Iris, lançou a campanha “What’s Your Name?” no Reino Unido, vencedora do troféu de ouro na categoria Creative Strategy, que incluiu um anúncio de televisão que contava a história de James, a quem as pessoas continuavam a chamar de Jemma (o seu nome de nascimento), durante a sua fase de transição que se sente aceite quando vai a uma loja Starbucks e o empregado de balcão o chama pelo seu novo nome.

Também no Brasil, a Starbucks quis agir perante um governo altamente homofóbico que torna o processo de alterar o nome bastante complexo. Assim, com a VMLY&R Brasil, desenvolveu a campanha “Eu Sou”, premiada com o Glass Grand Prix, em que transformaram a maior loja da Starbucks de São Paulo num escritório de notários para assinalar o Dia de Visibilidade Trans. Desde que foi lançada, a campanha já cresceu para uma iniciativa digital a longo-prazo.

Estes exemplos premiados mostram como, ao avaliar um produto, serviço ou experiência através das lentes da inclusão, as marcas podem identificar áreas de melhoria incremental que promovam o acesso de todos às mesmas oportunidades.

Alargar a zona de impacto

Mesmo quando uma marca parece adotar uma pequena solução, esta pode ter um grande impacto, como aconteceu no caso da iniciativa da Mastercard, “True Name”, vencedora de uma Grande Prémio na categoria de Brand Experience & Activation, em que, em conjunto com a McCann New York, deram a possibilidade às pessoas transexuais de terem o seu novo nome impresso nos cartões bancários – o que teve impacto a nível global. Não só apoia estas pessoas, como melhora significativamente as suas vidas. A Mastercard investiu, também, tempo e dinheiro para dar visibilidade a esta iniciativa, o que resultou numa adesão por parte do resto da indústria. Aliás, marcas concorrentes, como a Visa, lançaram opções semelhantes.

Isto não significa que apenas os gigantes do mercado tenham o poder de alterar paradigmas. O vencedor do Grande Prémio na área da saúde e bem-estar foi uma pequena empresa social do Reino Unido, Beco, onde 80% dos colaboradores são pessoas invisuais, com deficiências ou desfavorecidas. E sabendo que não poderia resolver o problema sozinha, a Beco apelou a outras empresas no Reino Unido para adotar as mesmas práticas de contratação inclusivas. Criada pela TBWA/London, a campanha #StealOurStaff foi pensada para as pessoas com deficiência que têm dificuldade em arranjar trabalho e, colocou currículos reais dos colaboradores da Beco nos pacotes dos sabonetes vendidos nos maiores retalhistas do Reino Unido. A Beco também redigiu uma carta aberta que questionava as atitudes sociais em relação à contratação de pessoas com deficiências, usaram o direct mail para chamar a atenção de líderes das empresas e colocaram anúncios em outdoors perto dos escritórios de algumas empresas de grande dimensão, incentivando-os a “roubarem” os próprios colaboradores da Beco. Esta campanha resultou num aumento em 96% das vendas anuais, de 1.500% no tráfego do website da Beco e no contacto recebido por parte de mais de 40 marcas. Essa iniciativa provou que mesmo uma pequena empresa pode fazer uma enorme diferença, se levar outros a segui-lo.

Partilhar os valores da marca

Às vezes, para causar impacto, as marcas precisam ajustar o seu produto ou serviço, como fizeram a Mastercard e a Beco, mas as comunicações tradicionais também são capazes de gerar mudanças.

Em novembro de 2020, no rescaldo do movimento Black Lives Matter, a Beats By Dre lançou o vídeo “You Love Me”, que celebra a raça e a cultura de descendência africana, ao mesmo tempo que critica aqueles que adotam uma postura de indiferença contra o racismo e aponta o dedo à hipocrisia das pessoas que se fascinam com a cultura negra e que, em simultâneo, suspeitam de pessoas negras. O objetivo foi fazer com que as pessoas se questionassem sobre o significado do gosto pela cultura africana, quando as pessoas desta raça ainda enfrentam lutas diárias pela justiça e igualdade. Este trabalho, claramente um call to action, arrecadou um Titanium Lion.

A conclusão a que Vicki Maguire chegou é que mais marcas deveriam considerar como podem trabalhar para alcançar um maior nível de inclusão porque a sua dimensão, budget ou categoria não as impedem de fazer a diferença. Além disso, se muitas organizações se focarem naquilo que podem fazer para ter um impacto positivo na sociedade, chegaremos finalmente a um estado de progresso.

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