O peso do consumidor na guerra das marcas contra o invasor, por Mónica Mendes Ferreira

O peso do consumidor na guerra das marcas contra o invasor, por Mónica Mendes Ferreira
23/03/2022 APAN

Mónica Mendes Ferreira, Professora Auxiliar Convidada, Iscte Business SchoolHá uma guerra comercial em curso na Rússia. Muitas são as multinacionais que deixaram de trabalhar ou suspenderam a venda dos seus produtos devido às sanções ocidentais impostas ao país na sequência da invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro. A resposta das marcas, de várias categorias de produtos (aviação e automóveis, eletrónica e indústria, alimentação, bebidas e tabaco, entre outros) tem sido verdadeiramente impressionante, atuando com o conhecimento claro de que as “sanções económicas” do mundo empresarial também podem ser arrasadoras, como forma de pressionar o Kremlin a acabar com a guerra na Ucrânia e dar resposta à crescente contestação da opinião pública contra um conflito que está a criar uma crise humanitária sem precedentes.

Os consumidores, mais “ligados” do que nunca, aprenderam a usar as plataformas digitais para contestar padrões e expor as suas insatisfações. Fazem questão de partilhar nas redes sociais informações, opiniões e paixões sobre as marcas que conquistaram espaço na sua mente e no seu coração. Partilham as ligações emocionais com a sua comunidade, convivem com a sua “tribo”, uma comunidade de pessoas heterogéneas em termos sociodemográficos e psicográficos, mas ligadas por interesses e paixões comuns e atentas a causas, e são a melhor e mais efetiva publicidade de uma marca.

E as marcas sabem disso. Isto reforça a importância de um posicionamento de marca consistente, autêntico e socialmente responsável. As marcas ocupam um espaço que vai muito além de assuntos económicos. Mais do que nunca, os consumidores esperam que as (suas) marcas usem a sua influência política e social para transformar o “mundo”, porque esse é o compromisso das marcas com os seus consumidores, com a sociedade. Na verdade, as marcas possuem valor para além do estritamente funcional. Expressam a identidade individual (“nós somos o que consumimos”) e o sentimento de pertença a um grupo (“ter” é “pertencer”). São os consumidores que mandam. Descobrir como aliar o posicionamento das marcas à sua responsabilidade social pode ser fundamental para ligar os consumidores com a essência, a visão, a missão e os valores que fazem de uma empresa o que ela é.

O facto é que neste momento há uma maior exigência para que as posições sejam tomadas com o coração e não com a razão. A sociedade civil está mais alerta, ditando o ‘tom’ da conversa nas redes sociais ao exigir que as marcas e as empresas alinhem com o sentimento antiguerra do momento com a Rússia. O boicote (ou não) das marcas à Rússia e aos oligarcas russos não é só uma questão de perspetiva – ética, emocional, comercial e racional. As duas têm um preço – os chamados danos colaterais. Ao fecharem as lojas, as marcas ficam bem vistas perante a opinião pública… mas criam eventuais atritos na relação com a Rússia, numa altura em que os russos estão a comprar mais (segmento de luxo), levando-as a perder essas vendas. É que a Rússia continua a ser um mercado de 147 milhões de pessoas. Mantendo as lojas abertas, criam um problema de imagem que reverterá nas vendas noutros países e nas opções de compra de um consumidor que ‘castiga’ cada vez mais as marcas que não estão alinhadas com a ética e a responsabilidade social.

É certo que a debandada de empresas e de instituições que já aconteceu durante as últimas semanas não está a travar a guerra. O foco está mais na empatia e nos princípios humanitários, que não pressupõem ‘ganhar ou perder’.

Este bloqueio das marcas ocidentais à Rússia faz com que de um momento para o outro os russos fiquem sem acesso aos bens e ao estilo de vida a que se habituaram desde a queda da União Soviética e a transição para o capitalismo. Com as sanções já aplicadas e as que possam ainda vir a caminho, a Rússia fica mais isolada a nível internacional enquanto a economia (e com ela, a sociedade) se degrada. Esta pressão sobre a economia russa pode ajudar a aumentar a contestação popular a Putin e as marcas não querem, não podem ficar de fora. Esta é uma oportunidade única para as marcas se posicionarem do lado certo e ficarem na história. A chamada “frente interna” é afinal global.

Mónica Mendes Ferreira,
Professora Auxiliar Convidada
Iscte Business School

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