Depois de um ano e meio confinados aos eventos digitais, a APAN voltou às iniciativas presenciais para debater um tema da maior atualidade: a sustentabilidade. Mais precisamente, o papel do marketing no caminho para a sustentabilidade – uma questão que APAN levantou pela primeira vez há quase 15 anos e que retomou agora com um convidado especial bastante inspirador: Thomas Kolster.
Numa exposição cativante, dinâmica e até provocadora, intitulada “Avoid the hero trap. How to build meaningful brands”, Kolster, o marketer que abraçou a comunicação como uma força para fazer o bem, desafiou as marcas a terem realmente significado na vida das pessoas.
Para Kolster, a auto-proclamação da sustentabilidade das marcas não é um fenómeno novo, nem incomum. Pelo contrário, é curioso que entre todas as empresas, organizações ou até mesmo líderes que afirmam cumprir com esta tendência, seja desafiante encontrar quem realmente faça a diferença na nossa vida. Para além disso, Kolster lembra o crescente ceticismo das pessoas, que questionam a veracidade das proclamações de defesa e promoção da sustentabilidade, havendo muitas vezes o receio que também isso seja feito apenas a pensar no lucro.
Perante isto, o ativista de marketing acredita que as pessoas não se apaixonam pelas marcas por serem sustentáveis, mas abandonam as marcas quando estas não têm um papel significativo nas suas vidas. “É preciso autenticidade: não bastar dizer que se faz, é necessário realmente fazer um esforço para ter essa importância para as pessoas. As marcas têm uma conexão incrível com os públicos, por isso, podem estar na génese da mudança e devem aprender com os consumidores. A grande meta deve ser uma boa liderança, onde não se questiona “porque sou importante neste mundo”, mas sim “como consigo ajudar a que as pessoas se tornem aquilo que elas desejam ser”, e agir em conformidade. “Um líder não deve olha para o seu próprio umbigo, antes ajudar as pessoas a atingirem os seus objetivos”, desafiou Thomas Kolster.
Pouco depois foi a vez de o próprio Thomas Kolster ser desafiado, numa conversa com Manuela Botelho. A Secretária-Geral da APAN quis saber se seria possível que as mudanças no caminho para a sustentabilidade sejam win-win-win, ou seja, boas para todos, pessoas, planeta e organizações. É possível criar algo em que todos saiam a ganhar? A resposta recuperou a tese principal do autor: a partir do momento em que as marcas param para questionar qual o significado que podem ter na vida das pessoas, todos saem a ganhar com a mudança.
Noutra questão provocatória, Manuela Botelho questionou o porquê de os marketers parecerem estar tão pouco à vontade com o tema sustentabilidade. Assentou a questão na dificuldade de adesão dos diretores de marketing em responderem ao questionário do estudo Sustainability & Marketing, levado a cabo pela Federação Mundial de Anunciantes e ao gap entre os esforços que as empresas estão a desenvolver e aquilo que é comunicado pelo marketing. Thomas Kolster acredita que a razão está na falta de uma abordagem holística, uma vez que a ideia de que sustentabilidade pertence apenas ao departamento de sustentabilidade é errada. Todas as áreas dentro da empresa devem estar a par das estratégias e ações de sustentabilidade. Se todos estiverem envolvidos há mais hipóteses de êxito na passagem da mensagem para o exterior.
A visão das empresas veio logo a seguir, num debate moderado por Nathalie Ballan, Fouding Partner & CEO da Sair da Casca e que contou com Gonçalo Granado, Diretor de Comunicação da Nestlé, Jorge Aguiar, Diretor de Marketing e Comunicação da Mercedes Benz, e Nádia Reis, Diretora de Relações Públicas, Responsabilidade Social e Ativação de Marca da Sonae MC. Em cima da mesa estava questão: “Podem os marketers mudar o mundo para melhor?”.
Gonçalo Granado completou a ideia de Thomas sobre a necessidade da transversalidade da sustentabilidade por toda a organização. “A sustentabilidade não está, nem pode estar, só num departamento de sustentabilidade. A sustentabilidade tem de estar nas fábricas, no suply chain, nos recursos humanos, nas finanças e também no marketing. Quando há um entendimento que é uma responsabilidade separada dentro da companhia, que a sustentabilidade é responsabilidade de um departamento de sustentabilidade, e que eu, enquanto marketer, não tenho nenhuma responsabilidade sobre isso, é profundamente errado. Por outro lado, quando se fala em sustentabilidade, tradicionalmente está-se a falar na sustentabilidade ambiental. Mas a sustentabilidade vai muito mais além. Na Nestlé acabámos de comunicar publicamente um conceito que vai um pouco mais além, de regeneração. A sustentabilidade está um pouco agarrada àquilo que é a satisfação das nossas necessidades precavendo aquilo que vão ser as necessidades futuras; a regeneração vai um pouco mais além disso – vai no sentido de deixar as coisas melhor do que estão.
Jorge Aguiar, por seu lado, falou sobre o que necessita de mudar para termos um mundo sustentável e para que este ideal seja inato para o marketing. Defendeu que “a mudança está a acontecer e está a ser gigante. Acho que há indústrias que estão mais à frente, outras mais atrás, mas, por arrastamento, vão acabar todas por se juntar neste movimento. Se tivesse de indicar três áreas em que devíamos atuar seriam: (1) a nível governamental – É fundamental que isto parta dos governos e autarquias e tem de estar no topo da agenda política; (2) nas empresas – Todos nós enquanto responsáveis de empresas já levámos estas questões para dentro das organizações, e isso é fundamental; e (3) a Educação – Este é o fator mais importante, para que seja esta “malta nova” a fazer a mudança. Nós vamos ser os impulsionadores e vamos trazer notoriedade para o tema, mas são as crianças e as escolas que temos de entusiasmar com o tema da sustentabilidade. Se, a nível mundial, houver um programa ou uma disciplina de sustentabilidade nas escolas, daqui a 10, 15, 20 anos, estamos a falar de uma forma completamente diferente de ver e viver o mundo”.
Nádia Reis, quando questionada sobre eventuais conflitos entre objetivos comerciais e sustentabilidade, diz que “a própria estratégia de desenvolvimento de produto e do próprio negócio engloba cada vez mais questões de sustentabilidade, e não está única e exclusivamente centralizada numa direção de sustentabilidade. Todas as áreas pensam cada vez mais em termos de sustentabilidade. Como é que podemos desenvolver produtos mais sustentáveis? Como é que conseguimos disponibilizar ferramentas mais sustentáveis na nossa própria logística, como a eletrificação das frotas ou o e-commerce, por exemplo? Portanto, há uma preocupação nas diferentes áreas da companhia com a questão da sustentabilidade e, naturalmente, o marketing tem um papel fundamental naquilo que é a amplificação da mensagem, até pela sua obrigatoriedade (…). Nós somos altamente escrutinados se não comunicarmos aquilo que fazemos e quais são as nossas práticas, os nossos compromissos”.
Para rever toda a sessão, basta aceder à plataforma APAN Future Lab.