Três passos para uma publicidade mais honesta

Três passos para uma publicidade mais honesta
22/02/2022 APAN

Três passos para uma publicidade mais honestaAmbika Pai, a Chief Strategy Officer da agência Mekanism, escreve um artigo na Contagious sobre a honestidade na publicidade e como atingi-la, defendendo que a predileção da publicidade pelo storytelling não deve sacrificar a verdade.

As pessoas que trabalham em publicidade, por norma, gostam de se ver a si mesmas como contadores de histórias. Mas é importante lembrar que as histórias são principalmente feitas para entreter: ficcionam, dramatizam, hiperbolizam. E muitas vezes isto é feito à custa do sacrifício da verdade.

Assim, não surpreende o facto de os anúncios estarem, muitas vezes, cheios de tretas. Por essa razão, 96% dos consumidores não confiam nos anúncios. Estamos na era da pós-verdade há anos, mas estamos num momento em que se está realmente a atingir o auge.

No ano passado, foi publicado um artigo no The Atlantic sobre como “os níveis de confiança nos Estados Unidos da América estão em queda acentuada”, alertando para que “quando a confiança social colapsa, as nações falham”.

Isto fez-me pensar: enquanto pessoas que têm acesso aos maiores megafones do mundo, porque é que continuamos a contar histórias? Não é já altura de os anunciantes começarem a contar a verdade? Enquanto procurava perceber como é que nos podemos certificar que a verdade está no centro daquilo que oferecemos aos nossos clientes, e do que entregamos enquanto seus parceiros, desenvolvi uma proposta de processo para dizer a verdade, repartido em três partes: desconstruir o brief, questionar os insights e exercer o conhecimento.

Passo 1 – Desconstruir o brief

O pior que podemos fazer é ver o brief como um dogma. O nosso trabalho e a nossa função é olhar para o brief de todos os ângulos, colocar as questões certas e certificarmo-nos de que é conciso o suficiente.

Identificar o problema correto é meio caminho andado e é fundamental para criar trabalho que dê frutos. É importante ter atenção às tendências do momento que fazem com que a marca seja apenas mais uma em vez de se destacar.

Regressando ao verão de 2021, também conhecido como hot vax summer, a OkCupid (OKC) quis atingir a maior quota de pessoas à procura de encontros românticos, numa altura em que a categoria começou a reaparecer. O objetivo descrito no brief passava por garantir que a OkCupid se alinhava com o entusiasmo sentido pelas pessoas por voltarem a sair para encontros, depois de um período marcado pela Covid, tornando-se, assim, na app de encontros amorosos da era pós-Covid e, consequentemente, aumentando o número de downloads. No entanto, o fenómeno do hot vax summer dependia de um momento fugaz no tempo e nós pretendíamos ajudar a OkCupid a criar momentum que perdurasse no tempo.

Repensámos o problema, afirmando que a abordagem da OkCupid ao mercado devia ir além da Covid. A maioria dos consumidores tem uma média de quatro apps de encontros nos seus telemóveis e o market share da OKC tornou-se mais fragmentado à medida que mais apps de nicho surgiram.

O questionário robusto da OkCupid ajuda a formar os melhores pares a nível algorítmico, tendo por base fatores como o género e a orientação sexual, tendências políticas, filosofias, valores, preferências de animal de estimação, etc. A app fica a conhecer em profundidade os seus utilizadores para os ajudar a encontrar as pessoas certas.

Conhecer as pessoas com este nível de profundidade significa que a OKC teria de ser a aplicação de encontros amorosos que realmente se foca nas experiências das pessoas. Durante o longo período de isolamento, os solteiros tiveram tempo para refletir. Tornaram-se mais verdadeiros face à sua própria identidade, ao que é importante para eles, ao que procuram e ao quão importante é a conexão humana para as suas vidas. À medida que as restrições começaram a aliviar e as pessoas voltaram aos encontros, não regressaram às suas identidades pré-pandémicas. Eles reemergiram numa versão seguinte de si mesmas. E estas pessoas precisavam de saber que não era apenas bom, mas era incrível, serem elas próprias quando começavam novas relações.

A OkCupid foi a primeira plataforma de encontros que deu a possibilidade aos utilizadores de escolherem os seus pronomes. Têm sido grandes apoiantes da comunidade LGBTQIA+ e uma marca ativista. Isto, em conjunto com o desejo de nos relacionarmos com pessoas que agora se conhecem melhor do que nunca, levou-nos a desenvolver a campanha “For Every Single Person”. A campanha em outdoors incluía 16 imagens que exploravam o que é namorar hoje em dia e mostravam que a marca é para todos, desde tree-hugers até pessoas que sofrem de insónias, de românticos até poligâmicos.

A nossa campanha foi oportuna e culturalmente relevante, mas evitou a onda hot vax summer. Foi também capaz de falar para pessoas com interesses específicos, apoiar a inclusão radical e demonstrar que qualquer pessoa pode encontrar o que procura na OkCupid.

Passo 2 – Questionar os insights

Um insight deve fazer uma pessoa dizer “Uau! Eu nunca pensei nisso dessa forma”. Deve ter um elemento de surpresa, interesse, intriga. E não deve parecer algo estranho e sem sentido. É credível porque as pessoas acreditam na sua veracidade, mas força a que se pense de forma diferente.

Um resultado do Google não é um insight. Todos os estrategas começam no Google e garanto que todos leem os primeiros 10 resultados da pesquisa. O que se encontra no Google é uma observação. Para ir um pouco mais longe, pergunte porquê. Várias vezes. Chegue ao cerne da questão. E finalmente, priorize o conhecimento – conhecer algo como a palma da sua mão – em vez de simplesmente saber sobre determinado assunto.

Em novembro de 2020, a agência Mekanism juntou-se à Civic Nation e à Casa Branca para desenvolver uma campanha que atacasse a hesitação perante as vacinas e aumentasse os níveis de vacinação. Naquela altura, 40% dos norte-americanos estavam hesitantes em serem vacinados. Todos sabiam disso. Com base na observação da hesitação das pessoas, a resposta fácil passou simplesmente por lembrar os norte-americanos de tudo aquilo que perdiam ao não se vacinarem. E a maior parte da comunicação que se viu durante este período teve exatamente esta abordagem. No entanto, quando perguntamos a razão da hesitação, as respostas são bem mais profundas (e bem mais variadas) que isso.

Sim, existe incerteza no que toca à eficácia e à segurança da vacina: como é que foi desenvolvida, a rapidez do processo de desenvolvimento, como funciona, o que esperar. Mas não fica por aí. Quando começámos a explorar mais cada grupo hesitante, descobrimos um histórico de discriminação, desigualdade, maus tratos pelo sistema de saúde pública, crença de que as grandes farmacêuticas andam atrás de nós, descrença nas instituições e nos media, e a falta de um entendimento sobre que informação é factual.

Nós precisávamos de mudar da fase em que sabemos que as pessoas questionam a eficácia e a segurança, para ter um conhecimento profundo sobre as batalhas que as pessoas enfrentam: no fundo, as pessoas questionavam se haviam segundas intenções que motivavam todo o programa de vacinação.

Então, a nossa estratégia foi deixar claro que a vacinação não tinha nenhuma agenda. “Made to Save” é o conceito literal da razão da criação da vacina: salvar vidas sem afiliação política, interesse financeiro ou preconceitos. Este insight de desconfiança proveniente da ideia de segundas intenções que motivassem o nosso trabalho. Isto não era algo que encontrássemos numa pesquisa no Google. Foi uma conclusão que obtivemos por perguntar “porquê” múltiplas vezes e perceber a nuance de hesitações entre diferentes grupos. Passámos dos factos para compreender as pessoas de uma forma muito mais profunda.

Passo 3 – Exercer o conhecimento

O conhecimento pode vir de experiências vividas, tanto quanto pode vir do entendimento de um determinado assunto. Enquanto marketers e anunciantes, estamos a criar para as pessoas – e nós somos pessoas. Ter como público-alvo “mulheres dos 35 aos 40 anos” é completamente diferente de pensar na audiência enquanto “estão a tentar falar com alguém como eu, ou alguém como o meu melhor amigo”.

Em 2021, a Frida Mom apresentou-nos uma nova categoria, chamada “cuidados da mama”, um portefólio de produtos para recém-mães que sofriam problemas relacionados com a mama (amamentar, decidir não o fazer, lidar com ingurgitamento, etc). O desafio que nos foi apresentado foi lançar a linha de cuidados da mama. Enquanto trabalhávamos, não conseguíamos parar de pensar sobre este incrível dado estatístico: 87% das mulheres começam a amamentar e 60% param mais cedo do que pretendiam. Porque é que 60% das mulheres paravam quando não queriam parar? Porque ninguém lhes estava a dizer a verdade.

Criámos uma equipa com uma mistura de pessoas que tinham especialização inerente (baseado em experiências próprias) e especialização adquirida (baseado em investigação, em  conhecimento profundo sobre o tópico e sobre as pessoas que se pretende servir). A nossa Diretora de Marketing atendia todas as chamadas da Frida Mom a partir da cama, grávida de oito meses. Eu estava no meio do período de amamentação e da cura pós-parto. Um Diretor Criativo tomava conta de duas crianças durante a pandemia e outro estava encarregado de comprar folhas de couves para a sua esposa que estava a amamentar. Além disso, tivemos o nosso Diretor Criativo Executivo, Diretor de Estratégia e Diretor de Marca ocupados a obter detalhes específicos, a partir de conversas com mães reais através de fóruns no Reddit, grupos do Facebook, Twitter, Instagram e blogs de mães.

Ao mesmo tempo que trabalhámos para exercer e aprofundar o nosso conhecimento, desmistificámos muitas suposições sobre cuidados da mama, amamentação e realidade pós-parto.

Existe a expetativa de que amamentar é algo bonito, uma experiência mágica entre a mãe e o bebé, o que pode ser absolutamente verdadeiro. Mas amamentar também pode ser algo fisicamente doloroso e emocionalmente exigente. Existe a expetativa de que amamentar é instintivo, que acontece naturalmente. Sim, é biologicamente natural, mas aquilo pelo que o peito passa pode não ser ou parecer necessariamente natural – especialmente quando nunca se passou pela experiência antes. A categoria foca-se em como a amamentação apoia de forma vital a saúde do bebé, portanto fazê-lo deve ser a prioridade. Peito é melhor! Bebé antes de tudo!

E ao mesmo tempo que apoia a saúde do bebé, muitas vezes pode significar sacrificar a própria saúde da mulher ou a saúde mental.

A imagem criada pela sociedade e perpetuada pela categoria do bebé é muito diferente (e bem mais monolítica) do que a experiência vivida pelas mães. A categoria não faz nada para aliviar esta pressão. Mas a filosofia da Frida é que “quando um bebé nasce, nasce também uma mãe”. Nós precisávamos de colocar as mães à frente e no centro para apoiá-las quando mais precisavam.

Isto levou-nos a lançar “Stream of Lactation”, um vídeo que entra dentro da cabeça de duas mulheres quando tentam alimentar os seus bebés recém-nascidos.

Baseia-se na frase: “Cuide dos seus seios, não apenas do seu bebé”. Aqui, os detalhes, tais como tirar uma folha de couve do soutien ou usar uma escova de dentes elétrica para tratar nódulos na mama, são indicadores da verdade.

Mas os detalhes não estavam simplesmente no guião, também estiveram na execução da campanha. A nossa Diretora foi Rachel Morrison, mãe de duas crianças. O vídeo foi protagonizado por duas recém-mães, pelo que tudo era real, incluindo o esguicho de leite materno no espelho.

A campanha também ajudou a alterar políticas. A marca Frida tinha sido banida dos Óscares por causa de um anúncio sobre pós-parto. Então, trabalhámos com a NBC para alterar as normas para que pudéssemos mostrar peitos em lactação na televisão, de uma maneira nunca antes feita. E os resultados foram realmente assombrosos, não apenas relativamente à consciencialização e atenção gerada, mas, mais importante, causou impacto na cultura.

Da verdade ao poder

Estes exemplos mostram a razão de precisarmos de passar de contar histórias para contar verdades, por forma a entrar no mindset das pessoas que somos responsáveis por servir. Precisamos de dar a conhecer as lutas, as alegrias, as dores e as euforias que as pessoas vivem no dia-a-dia, e não tentar envolver as pessoas numa espécie de ideias kitschy ou algo que seja produzido para entretenimento ou humor. O nosso inimigo deve ser a hipérbole. Devemos colocar um espelho em frente ao mundo e fazer a nossa parte para criar progresso genuíno. Com muito poder, é preciso muita responsabilidade, e diria que ter acesso a 90 milhões de pessoas durante um jogo de futebol é ter um poder considerável.

Veja o artigo original aqui.

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